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A família Polgar: genialidade em três irmãs

No início dos anos 70, o húngaro Laszlo Polgar decidiu provar que talento não existe, podendo tudo ser alcançado pelo trabalho árduo. A tese era que “gênios são feitos, não nascidos”. Ele anunciou que os(as) filhos(as) seriam mestres de xadrez, antes mesmo que tivessem nascido. Assim, ao lado de Klara, também professora, nasceram as filhas Susan, Sofia e Judit. Todas foram educadas em casa e o experimento também incluía línguas e matemática de alto nível, praticando tênis de mesa nas horas livres. Os métodos de criação do casal foram bastante controversos, mas é impossível negar o sucesso alcançado pelas meninas.


No verão de 1973, um pai e sua filha entraram em um clube de xadrez em Budapeste. O lugar estava cheio de fumaça de cigarro, cheio de homens idosos, que passavam longas tardes lá, jogando xadrez. A menina tinha quatro anos e seu pai trouxe um travesseiro para ela poder alcançar a mesa. Aquelas velhas raposas do xadrez não podiam acreditar que László Polgár queria que eles jogassem contra a filha dele. Só depois de alguns deles serem espancados pela pequena Zsuzsa (Susan) que perceberam que estavam testemunhando o nascimento de uma nova lenda do xadrez.

Documentário sobre a família (Lama Productions)

 


Susan Polgar

Não muito depois da experiência no clube da capital húngara, Susan vencia o Campeonato de Budapeste Sub 11 Feminino, com nada menos que o score perfeito: 10 vitórias em 10 partidas. Aos 12 anos o triunfo foi no Mundial Sub 16 F e, aos 15, ela se tornou a número 1 no ranking mundial feminino (mantendo-se no top 3 por 20 anos). Em 1996, foi a primeira mulher a se classificar para o ciclo pelo Campeonato Mundial Absoluto, mas foi impedida de participar. Em 1991, tornou-se a terceira mulher a conquistar o título de Grande Mestre (GM), sendo a primeira através de rating mais três normas – Nona Gaprindashvili e Maia Chiburdanidze haviam conquistado a titulação pelos mundiais femininos. No ano seguinte, venceu os Mundiais de Rápido e Blitz feminino.

Susan deixou o xadrez competitivo, mas dedica-se com destaque à carreira como treinadora, organizadora, jornalista e escritora. Entre 2007 e 2012, foi treinadora chefe do time enxadrístico da Texas Tech (Universidade de Tecnologia do Texas): o Knight Raiders, onde se tornou a primeira treinadora feminina a liderar a equipe masculina da Divisão I até o título nacional estadunidense e iniciou o Instituto Susan Polgar de Excelência em Xadrez (SPICE). Em junho de 2012, foi convidada a juntar-se a Webster University (Missouri/EUA) onde, desde então, dirige o SPICE e é treinadora da equipe da universidade. Além disso, escreveu diversos livros em parceria com seu gerente de negócios e marido, atuando também em colunas de notícias como o Chess Daily News.

Susan disse uma vez que nunca ganhou contra um homem saudável. O que ela queria dizer era que os homens sempre tinham alguma desculpa depois de perder um jogo para uma mulher: “Deve ter sido minha dor de cabeça”.
Judit Polgar

 Nós contamos mais sobre a trajetória dela no especial sobre o Campeonato Mundial Feminino.


Sofia Polgar

Em 1974, Susan estava no meio de uma aula de xadrez quando Laszlo recebeu o telefonema de que Klara dera a luz a outra filha: Sofia (ou Zsófia Polgár). Ela também seguiu a metodologia da família e logo espiava os treinamentos da irmã mais velha. Em 1989, aos 14 anos, abalou o mundo ao vencer um torneio em Roma que contava com a presença de vários Grandes Mestres, com 8,5 pontos em 9 rodadas e a incrível performance de 2879 (que ficou conhecida como “o saque de Roma”).

Tornou-se Mestre Internacional (MI) e Grande Mestre Feminina (WGM), chegando à sexta posição do ranking mundial feminino, mas não encontrou no xadrez a maior fonte de sua inspiração. Acabou se dedicando a outras áreas, tendo estudado pintura e design de interiores.  Casou-se com um Grande Mestre israelita em 1999, com quem tem dois filhos, e tornou-se centrada na família.

Marcell Duchamp disse uma vez: “Eu ainda sou uma vítima do xadrez. Tem toda a beleza da arte – e muito mais.” Eu concordo, mas ao mesmo tempo sinto o oposto. Talvez seja porque eu joguei profissionalmente por mais de vinte anos. As sessenta e quatro casas não são suficientes para me expressar. Esta foi a minha motivação para estudar arte, gráficos e arquitetura, meus interesses de longa data.

A fala está em sua página, onde Sofia junta as duas paixões: xadrez e arte.

 


Judit Polgar

Apenas a maior jogadora de todos os tempos. A caçula era inicialmente separada do treinamento das irmãs mais velhas, mas isso só serviu para incitar sua curiosidade. Logo demonstrou sua incrível capacidade na resolução de problemas, mostrando-se um prodígio. Aos 5 anos, venceu um amigo da família às cegas e ele brincou: “Você é boa no xadrez, mas eu sou um bom cozinheiro”. A resposta? “Você cozinha sem olhar para o fogão?”. Um ano depois começou a disputar (e vencer) os primeiros torneios. Aos 10 derrotou o primeiro Mestre Internacional (MI) e aos 11 o primeiro Grande Mestre (GM). Em 1989 (aos 12 anos), era a 55ª colocada no ranking mundial com 2555, à frente de nomes como Maia Chiburdanidze. Foi nomeada um dos três maiores prodígios da história, mas Kasparov tinha suas “dúvidas”: “Ela tem um talento enxadrístico fantástico, mas é, afinal, uma mulher. Tudo se resume às imperfeições da psique feminina. Nenhuma mulher pode sustentar uma batalha prolongada”.

Seguiu a carreira em destaque, com várias incríveis performances em torneios abertos, mas nunca disputou o Campeonato Mundial Feminino ou qualquer torneio exclusivamente feminino. Com 15 anos e 5 meses, tornou-se a mais nova Grande Mestre (entre mulheres e homens) até o período, à frente de nomes como Bobby Fischer – hoje o recorde é de Sergey Karjakin, com 12 anos e 7 meses. Em 2002, no match “Rússia contra o resto do mundo”, derrotou Garry Kasparov em uma partida rápida: pela primeira vez na história uma mulher derrotava o número 1 do ranking mundial. Ele reviu sua opinião:

As Polgars mostraram que não há limitações inerentes à sua aptidão – uma ideia que muitos jogadores do sexo masculino se recusaram a aceitar até que, sem a menor cerimônia, foram esmagados por uma garota de 12 anos com um rabo de cavalo.

Judit chegou ao top 10 do ranking mundial e venceu grandes lendas ao longo da carreira – como os campeões mundiais Anatoly Karpov, Boris Spassky e Viswanathan Anand. Em 2015, ela pausou a carreira e passou a se dedicar ao xadrez de outras formas: escrevendo, comentando e atuando como treinadora da seleção olímpica húngara (na seção aberta). Em 2000, casou com o cirurgião veterinário também húngaro Gusztáv Font, com quem tem dois filhos.

Ela fala mais sobre a trajetória em palestra para o TED

 


“Os homens devem ser inteligentes e fortes. As mulheres devem ser bonitas e cuidar da família. Só então, se tiverem tempo, poderão ser inteligentes.” Espero que a experiência ajude a mudar esse preconceito.
Laszlo Polgar em entrevista

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